À memória de minhas avós Giuliana e Marina,
ainda vivas,
não recordam seus nomes próprios.
Acredito que este trabalho venha das veias de minhas avós, saltadas da pele pelo tempo. E, apesar de não ter tido coragem suficiente para fotografá-las, ainda assim as vejo presentes. Talvez eu as devesse ter fotografado e também ter fotografado suas casas, fazendo assim uma fusão entre as memórias de seus corpos e de seus lugares. Talvez isso fosse demasiado literal. Para falar da passagem do tempo e da memória, nos corpos humanos e construídos, também posso criar histórias que não existiram, cruzar pessoas e lugares que não se conhecem; lembro-me de um professor comentando a abertura dos filmes de ficção: “todas as histórias são baseadas em fatos reais”.
Mas além das veias de minhas avós, poderia ter citado o tártaro em meus dentes, as micoses de nossos pés, as veias estouradas em narizes ou pênis, os pelos que crescem esparsos e depois se tornam densos (ou os que continuam esparsos), e os que caem do corpo, para se juntar a outros pelos no chão; uma rachadura na parede da sala, os tetos mofados dos banheiros, a gordura dos cães que aderiu à parede, as marcas de mãos ao redor da cama. Também poderia ter falado daquele parafuso que rasgou a parede, deixando aparente seu interior, ou do cano que estourou, fazendo jorrar uma água incontrolável, destruído assim os azulejos e a massa que o envolvia. São feridas, cicatrizes, rejuntes, bolores, cimento, tijolos, sangue, pelos.
Falar da intimidade da arquitetura, ou de uma arquitetura da intimidade, é falar de uma memória que habita o corpo e de uma memória que habita a própria arquitetura; uma arquitetura suja como o homem, com suas intimidades, alma, desejos, problemas – e matéria, que se degrada. Do humano na arquitetura, mas não como um padrão de medida, não como um humano funcional, nem de uma arquitetura com formas mais adequadas ao homem e à sua natureza, mas sim de um humano que incomoda, ainda mais quando visto de perto.